Cartão de visita telegrafado

A reputação funciona à distância de forma antecipada. Antes mesmo de uma pessoa te encontrar, ou mesmo saber que você exista de facto, ela talvez já conheça a sua reputação. Logo o poder da reputação é fazer com que você, sua impressão, seu modo de agir, esteja onde você não pode estar. Não creio que existe má reputação ou boa reputação. Apenas reputação. Mesmo porque só existe reputação porque outras pessoas percebem ou sabem ou espalham o modo como você age. Logo a sua reputação é reflexo de como as outras pessoas percebem seu modo de agir. No livro, Greene dá um exemplo claro. Digamos que você seja uma manicure que trabalhe em um salão e tenha a reputação de não ligar para a opinião dos outros. Suas colegas de trabalho talvez te percebam como uma artista: fiel aos valores que você acredita serem a boa execução de um trabalho. Suas clientes talvez a enxerguem como insolente e sua chefe como dispensável.

Reputação de ser fiel a uma ideia pode ser fidelidade ou intransigência. Reputação de pontual poder ser comprometimento (se você marcou um compromisso com sua chefe) ou inflexibilidade (se você marcou um horário pra sair de casa na viagem de férias mas nem todos estão prontos). E não é injusto ou um absurdo. Nós podemos agir da mesma maneira em duas situações diferentes e o comportamento ser adequado em uma e inadequado na outra. A reputação nada mais é que o eco do seu modo de agir.

Como tirar proveito

A empresa que você trabalha, o cargo que você quer ocupar, o nicho de mercado que você ocupa, espera que você cumpra certos ritos. Se você consegue estabelecer uma reputação que é alinhada com os ritos esperados de você ou do cargo que você queira ocupar, você pode se estabelecer de forma diferente da sua competição.

Uma queixa comum que eu ouço (e tenho) dos prestadores de serviço informais como pedreiros, eletricistas, diaristas, marceneiros é a falta de compromisso. Números de contato em constante mudança, falta de resposta a ligações, atrasos com prazos….

Matéria sobre o que fazer se opedreiro sumir Matéria sobre pedreiros enrolados

Quer ser um pedreiro diferenciado? Tenha a reputação absoluta com o compromisso:

  • Estabeleça serviço de resposta automática em Whatsapp e email;
  • Estipule o prazo para entrega do serviço, dê margem além do prazo;
  • Apareça no serviço no horário combinado, sempre;
  • Caso haja algum imprevisto, avise com antecedência, mesmo se o atraso for de 5 minutos;
  • Ligue para o cliente 3 dias após a finalização para saber se o serviço continua a contento.

O prestador de serviço que seguir isso, pode cobrar mais caro, pode escolher clientela e possivelmente não terá necessidade de propaganda porque estabelecerá uma reputação muito diferenciada da competição.
Você pode fazer o mesmo processo na sua posição ou cargo atual ou desejado. Um bom ponto de partida é alguém que já esteja um ou dois passos além de você. Quem no seu trabalho ocupa a posição que você quer e como essa pessoa chegou lá? Lógico que se a pessoa for cafajeste e desonesta e vigarista você não copiará tudo. Mesmo assim vale observar como talvez você possa agir de uma forma a passar uma reputação semelhante sem a canalhice.

Mas então eu manipulo minhas ações para ter uma reputação?

Sim.

Isso não é autêntico!

Não.

Uma outra alternativa é você observar ou perguntar para outras pessoas que reputação você tem e tentar buscar algum cargo, empresa, posição, trabalho, que você possa avançar fazendo o que você já faz, se beneficiando da reputação que você já tem. E claro que isso pode dar certo. Mas pelo meu conhecimento e experiência, o que vai sendo demandado de nós ao longo da cadeia alimentar das empresas vai mudando e alguma parte de nós precisa ir mudando também. Aqui entra meu achismo: normalmente a parte que precisa mudar é justamente aquela que é a mais estimada no cargo atual ou superior. Como exemplo, um soldado quando é promovido para cabo e sargento, precisa desenvolver sua voz de comando e sua capacidade de liderar e fazer com que outras pessoas executem tarefas ao seu comando. Quando soldado, era só seguir ordens. O encarregado do armazém quando passa para gerência precisa deixar a parte operacional um pouco de lado e passar para o mundo do software e das planilhas eletrônicas.

Manchas

Nossa reputação pode ser manchada. Uma pessoa pontual que se atrasou uma vez, uma pessoa séria que bebeu demais numa festa, uma empresa ambientalmente responsável que é pega misturando seus reciclados…. tudo bem sucetível a acontecer. Quando nós pisamos na bola e estragamos nossa reputação, é culpa nossa. Porém outras pessoas podem fazer campanhas que ponham em cheque nossas ações. Campanhas de difamação são comuns no meio político e com empresas. E não adianta como você vem agindo, pesosas suficientes falando que você faz o oposto daquilo que você defende, pode mover a opinião de um grupo.

O autor não fala sobre proteção, mas fala sobre a “mancha reversa”.

Ele cita como exemplo P.T. Barnum que era um promotor de shows. A medida que sua fama foi crescendo, ele foi adiquirindo a fama de produzir shows baratos, de mal gosto. Então ele “manchou” essa reputação indesejada contratando uma cantora internacional muito renomada para se apresentar. Uma empresa que adiquire a reputação de tratar mal seus funcionários pode “manchar” esta reputação anunciando e fazendo grandes melhorias para seus funcionários. Uma pessoa que adquire uma reputação de sempre se atrasar pode não só passar a chegar com hora marcada mas sair com hora marcada e tratar tudo na ponta do relógio.

Normalmente aspectos ruins no contexto atual da nossa reputação são difíceis de serem revertidos, mas não existe outra possibilidade. Existem duas maneiras de deixar um lençol branco: ou mantê-lo limpo, ou sujá-lo de tinta branca por sobre as manhcas de outras cores.

Exceção

Umas das belezas dessa lei é que Robert Greene não apresenta nenhuma exceção. Que aliás são na minha opinião as leis mais importantes: as que o autor não conseguiu encontrar exceções. Mesmo que você não se importe com qual reputação você tenha, isso em si causará uma impressão nos outros. E ao não manipular seus atos para construir pra você mesma uma reputação, fica a cargo de todo o mundo ao seu redor construí-la pra você. Nós somos seres sociais. Como postula Harari no excelente Sapiens, provavelmente nossa primeira forma de comunicação oral como humanos foi a fofoca. Como tribos primitivas de dezenas de indivíduos, nossa vida girava ao redor dos lugares onde morávamos, comida que comíamos, e pessoas que convivíamos. Logo informações sobre o nosso convívio social eram boa parte do nosso interesse na época. Pessoas fatalmente conversam sobre pessoas porque julgam pessoas. Quer você queira, quer não, você tem alguma reputação com alguém.

Exemplo

Eu comecei a trabalhar embarcado em 2009. O navio que eu trabalhava possuía 3 estruturas sociais:

  • Trabalhadores braçais brasileiros que não falavam inglês;
  • Oficiais seniores (gerentes) estrangeiros que não falavam português;
  • Oficiais juniores brasileiros que falavam inglês.

Muito da minha função era fazer a conexão entre os brasileiros e os estrangeiros. Independente do que acontecia, quem estava nessa posição não era querido por nenhum dos dois lados. Não sei o que acontece quando uma força imparável se encontra com uma barreira imóvel, mas o que está no meio das duas se estrepa.

Eu precisava me estabelecer não como traíra dos dois lados mas como leal aos dois lados. Eu vi que os estrangeiros tinham muita frustração por não conseguir se comunicar direito com os brasileiros. Você dar instruções para um subordinado e vê-lo fazendo uma coisa totalmente diferente pode ser muito frustante. Então para mostrar minha lealdade aos estrangeiros eu estudei muito vocabulário técnico, cultura dos países deles, e me certificava que eu entendia 100% do que eles queriam passar para os brasileiros. Os ingleses particulamente gostam quando alguém fora do Reino Unido assistiu seriados ingleses como Black Adder, Fawlty Towers e Monty Python por exemplo. Cada nacionalidade e cultura terá seu meio de estabelecer relacionamento. Demanda um pouco de teste aqui e ali.

Com os brasileiros eu fiz diferente. Todo navio que eu embarcava, a tripulação brasileira tinha alguma queixa com relação ao conforto da tripulação. Seja uma televisão que não funciona no jogo de futebol, uma internet devagar demais, ou não poder fazer churrasco. Normalmente coisas simples mas que como não afetam tanto os estrangeiros, não são prioridade. E por isso justamente que virava a minha. Era comum que um determinado problema que a tripulação convivia há anos eu resolvesse em semanas e nada extraordinário. Só saliva, suor e covardia nos lugares certos. Com isso eu conquistava uma reputação de leadade e de pessoa que resolvia as coisas com os brasileiros. Não mais eu estava entre o martelo e o escudo.